terça-feira, 30 de outubro de 2018

pensando aqui

o que é amar,  eu me pergunto.
explodem na minha cabeça mil ideias.
separo vivência por vivência,
como se fossem pedaços de pano dentro de uma gaveta.

cabe no amar tudo,
por que amar é generoso.
não estaria mentindo, e todos sabem,
que amar é sofrer até quase gastar o corpo,
arranhado em lágrima, inchado, sem esperança.

não estaria longe da verdade se dissesse que amar é gozar,
é perder a consciência,
se perder junto e dentro do outro,
e achar algo pequeno, algo grande e sem nome.

amar também é sereno,
todos sabem.
amar é xicara de chá quentinho
para alentar uma ressaca,
é lembrar de guarda chuva,
é olhar insuspeito quando o outro nem sacou.

amar é pequenininho e grande,
dizer do amor é besta,
por que ele se reinventa a cada minuto,
se reintroduz no nosso entre,
se mostra novo,
e se você forma uma opinião,
ele te desmente.

o amor é mar,
e te traz beleza e novidade a cada onda nova,
sempre nova,
que estoura na areia.

sábado, 6 de outubro de 2018

eles não

um dia pra eleição. amanhã. dia 7 de outubro. pode ser que ganhe um imbecil. um homem sem empatia. talvez meio retardado. e me assusta pensar que 30 por cento dos brasileiros está com esse homem. vale relativizar por cada motivo? acho que sim. na década de 60 as ditaduras militares tomaram conta da américa latina como uma orquestra milimétrica de poder e manipulação. dessa vez o brasil está sozinho. em sua ignorância. sua alienação. sua burrice. sua raiva. 
não quero me deprimir, como um carro que fura o pneu e vai parando devagar. quero seguir. como achar um sentido nisso tudo que tenha a dimensão do que estamos vivendo? será que fazer musica é o suficiente? será que lutar? colocar meu corpo na rua, seja num beijo gay que em breve será audacioso, seja num ato, numa marcha, num grito. não sei. mas tento me lembrar que é importante continuar voz. é o silêncio que eles querem.

terça-feira, 2 de outubro de 2018

cerveja

a cerveja me inunda, e é por isso que eu gosto dela.
você pensaria que ela a principio invadiria minhas coxas.
isso também é verdade.
mas antes ela enche meu labirinto,
de palavras estranhas,
idiomas nunca descritos,
golpes de ar.

eu gosto da cerveja por que ela me preenche com essa amarelo azedo,
e antes que você me diga do horror que ela propõe,
eu já te digo do horror que comungamos ao estar aqui,
e nem me rebaixarei a citar nomes.

agora que lido com a zonzeira dos olhos e a dor no estômago do excesso,
percorro o caminho sórdido do retorno:
bebo muita água e olho ao redor,
busco frestas, marco bifurcações.

o aqui é opaco, lá fora brilha.
daqui a pouco tudo se renovará.
o nascimento vem lento,
para que com fome,
eu possa o sacrificar.

quinta-feira, 16 de agosto de 2018

mustard

onde a depressão fica?
aonde ela se esconde, e me ganha,
como uma chuva muito forte
represada entre galhos,
que num átimo pode romper a mínima partícula
e estourar seu caminho morro abaixo,
levando as cachoeiras,
lavando as vidas.

as vezes acho que fica atrás dos olhos, e quando desperto me anoitece uma manhã mesmo que branca. as vezes acho que fica entre as costelas, e come a própria fome com voracidade, como se houvesse uma direção a ir. as vezes, muitas vezes, mora nos pés, e com seu nome inércia prende-se com o peso de mil mãos ao chão que insiste em continuar ali.
no coração nunca está, pelo menos acho que não.
nele que fica essa resiliência. essa vontade menor que um gato. de insistir. de lavar bem os olhos. de passar creme nos pés. de saciar a fome.

terça-feira, 3 de julho de 2018

sal

eu gosto de você como gosto de manga.
me atrapalho nos fios,
me afundo no amarelo.

eu gosto de você como quando corto minha pele
sem querer, com uma faca muito afiada,
a realidade inextinguível de um sangue que brota
para além do meu controle.

eu gosto de você como quem lê um poeta de outro pais
e descobre na propria lingua
o insuspeito conhecimento do que é ser o outro.

eu gosto de gostar de você,
como um gosto que inunda minha pele,
minha boca, meus olhos,
placidamente.

é o que se revela no canto do olho,
o cheiro que se suspeita na beira da fruta,
é aquilo que não se agarra,
e se o olhar furtivamente tenta mirar,
vira estátua de sal
e saudade.

domingo, 17 de junho de 2018

domingo

Domingo é um dia sem testa. Um dia sem dono - nem deus quis essa bagaça. Por isso todo mundo se sente livre e perdido e cansaço e frouxo no domingo. Dentro das coisas que cabem no cansaço. Nesse domingo 20.000.000 de vidas aconteceram simultaneamente. Para grande surpresa dos organizadores poucos esbarros ocorreram. O meu eu, que não consigo creer como não ficcional, tampoco consegue acreditar nesses 20.000.000 devires tão pertinho e tão longe. Esse devir foi calcado de encontros, e de gostos, vividos no presente ou num passado recente.

sexta-feira, 15 de junho de 2018

batalhao

no meio da festa eu já procurava distrair a minha garganta que começava a se anestesiar somente do lado direito. a garganta partida ao meio em duas sensações distintas, e o nariz que também acompanhava. a verdade é que eu já cheguei na festa na querência de algo. ou de tudo que me fosse oferecido. aproveitei os amigos, o uisque,  o salmão defumado. as 3 da manha nos levamos para fora e começamos a nos aproveitar. embora eu tenha sentido amor, no seu jeito suave de suar sobre as minhas coxas. embora eu tenha sentido amor, nos beijos que você agarrava da minha boca. embora eu tenha sentido amor, nos gemidos desesperados e contínuos e plácidos. gemidos de cachoeira. sabemos que nos usamos, e nunca é fácil usar e ser usada. você se levantou com sede e na querência de partir, de seguir a sua vida que não tinha nada a ver com aquelas pessoas, com o salmão, os bonbons, o uisque, eu, o chico, as playlists que não paravam de rodar de mão de mão. sua vida era sobre gatos, cachorros, letras, a estaticidade das palavras, a dialética, o medo de errar. foi com voracidade que você ousou pertencer a outra vida. no dia seguinte acordei, acordastes. vidas que seguem caminhos distintos que não se esbarram. acordei sua imagem na minha nuca. um desejo sob a lingua. todavia a certeza da praticidade daquilo tudo. como uma garganta cindida por duas sensações opostas.

terça-feira, 16 de janeiro de 2018

ocre

por que quando você tocou minha mão eu vi ocre?
os anos passaram e os cabelos começaram a se pentear de outras maneiras, e eu suspeito que por baixo do meu moinho de cabelo possa surgir uma mancha branca, de experiência ou tristeza. e você nunca mais tocou minha mão, e eu nunca mais tinha visto aquele lugar, aquela falésia, porém calma, verde cinza de água preta. aquela rocha quente onde podiamos pousar nossa pele pelada sem medo de queimar, e você tocou minhas costas com urucum e desenhou a própria imagem que eu agora via.
tudo que foi vermelho antes daquele momento eu havia jogado cal, e isso foi importante. todos os momentos anteriores levaram aquele momento, e acho que é isso que nas palavras cruzadas chamam de destino. aquele momento que você desenhava um sonho que tive anos depois na minha pele de anos antes. e eu senti que minha pele levava o menor choque do mundo. e milhares de bolinhas surgiram insuspeitas por dentro da derme, e os pelos quase brancos se levantaram para ver o que acontecia. nós voltamos para o sino, ingênuas, fomos dormir. e a tarde afundou num vermelho ocre que descascasva as montanhas. lembra?
os anos passaram sobre a minha pele, e sobre a sua. eu não sou mais uma menina, nem você, muito embora somos. certamente. eu vi o seu cabelo curto, você viu meu riso outro. era noite alta quando o ocre se interpôs entre nós. não fui eu, nem você. mais uma vez foi o ocre. e minha retina as vezes quando durmo lembra que há uma cor entre nós.
algo entre uma grande besteira, uma vontade-gengibre e um acontecer falésia.