sexta-feira, 3 de janeiro de 2020

2020

todo ano o ano acaba e o ano começa.
sempre a sensação de uma nova chance,
como se de um dia pro outro tudo mudasse,
e o tempo fosse uma folha em branco.

esse ano novo foi estranho.
calmo.
fiquei com vontade de estar sozinha vários momentos.
tive que voltar para são paulo antes para trabalhar
e fiquei sozinha aqui.

em algum momento comecei a ver fotos antigas,
e me deu uma sensação de que eu estava no lugar errado com as pessoas erradas na maioria das fotos do passado.
pessoas que não me fizeram bem,
que não eram boas.

começo o ano sentindo que as pessoas que realmente valem a pena na minha vida são muito muito poucas, e sem entender ainda se isso é bom ou ruim.

quarta-feira, 2 de outubro de 2019

pássaro azul

um pássaro azul pousou no meu peito.
olhou nos meus olhos,
sentiu pena, sentiu raiva.

um pássaro azul pousou no meu peito,
e eu larguei meu corpo cansado
de um cansaço sem nome.

eu quis abaixar a cabeça,
eu quis olhar para o lado.
o pássaro azul azeitou seu corpo no meu,
e foi peso ser sua nova morada.

o pássaro não me deixava esquecer da sua presença,
e cada vez que eu respirava ele para fora de mim,
ele se ajeitava soberano,
em cima do meu peito.

vão fazer duas semanas que sou do pássaro
a nova morada.
sinto na minha pele a marca funda
de onde meu corpo se encontra com o seu.

sinto o seu cheiro antigo,
que não consigo lavar no banho.

olho para ele e pergunto:
- quando você vai embora passarinho azul?

e no silêncio dócil, porém firme,
sinto que ele só partirá
quando eu deixar a minha mão sem jeito cair no seu corpinho,
e sentir cada pena azul,
do pássaro que pousou no meu peito.

terça-feira, 30 de outubro de 2018

pensando aqui

o que é amar,  eu me pergunto.
explodem na minha cabeça mil ideias.
separo vivência por vivência,
como se fossem pedaços de pano dentro de uma gaveta.

cabe no amar tudo,
por que amar é generoso.
não estaria mentindo, e todos sabem,
que amar é sofrer até quase gastar o corpo,
arranhado em lágrima, inchado, sem esperança.

não estaria longe da verdade se dissesse que amar é gozar,
é perder a consciência,
se perder junto e dentro do outro,
e achar algo pequeno, algo grande e sem nome.

amar também é sereno,
todos sabem.
amar é xicara de chá quentinho
para alentar uma ressaca,
é lembrar de guarda chuva,
é olhar insuspeito quando o outro nem sacou.

amar é pequenininho e grande,
dizer do amor é besta,
por que ele se reinventa a cada minuto,
se reintroduz no nosso entre,
se mostra novo,
e se você forma uma opinião,
ele te desmente.

o amor é mar,
e te traz beleza e novidade a cada onda nova,
sempre nova,
que estoura na areia.

sábado, 6 de outubro de 2018

eles não

um dia pra eleição. amanhã. dia 7 de outubro. pode ser que ganhe um imbecil. um homem sem empatia. talvez meio retardado. e me assusta pensar que 30 por cento dos brasileiros está com esse homem. vale relativizar por cada motivo? acho que sim. na década de 60 as ditaduras militares tomaram conta da américa latina como uma orquestra milimétrica de poder e manipulação. dessa vez o brasil está sozinho. em sua ignorância. sua alienação. sua burrice. sua raiva. 
não quero me deprimir, como um carro que fura o pneu e vai parando devagar. quero seguir. como achar um sentido nisso tudo que tenha a dimensão do que estamos vivendo? será que fazer musica é o suficiente? será que lutar? colocar meu corpo na rua, seja num beijo gay que em breve será audacioso, seja num ato, numa marcha, num grito. não sei. mas tento me lembrar que é importante continuar voz. é o silêncio que eles querem.

terça-feira, 2 de outubro de 2018

cerveja

a cerveja me inunda, e é por isso que eu gosto dela.
você pensaria que ela a principio invadiria minhas coxas.
isso também é verdade.
mas antes ela enche meu labirinto,
de palavras estranhas,
idiomas nunca descritos,
golpes de ar.

eu gosto da cerveja por que ela me preenche com essa amarelo azedo,
e antes que você me diga do horror que ela propõe,
eu já te digo do horror que comungamos ao estar aqui,
e nem me rebaixarei a citar nomes.

agora que lido com a zonzeira dos olhos e a dor no estômago do excesso,
percorro o caminho sórdido do retorno:
bebo muita água e olho ao redor,
busco frestas, marco bifurcações.

o aqui é opaco, lá fora brilha.
daqui a pouco tudo se renovará.
o nascimento vem lento,
para que com fome,
eu possa o sacrificar.

quinta-feira, 16 de agosto de 2018

mustard

onde a depressão fica?
aonde ela se esconde, e me ganha,
como uma chuva muito forte
represada entre galhos,
que num átimo pode romper a mínima partícula
e estourar seu caminho morro abaixo,
levando as cachoeiras,
lavando as vidas.

as vezes acho que fica atrás dos olhos, e quando desperto me anoitece uma manhã mesmo que branca. as vezes acho que fica entre as costelas, e come a própria fome com voracidade, como se houvesse uma direção a ir. as vezes, muitas vezes, mora nos pés, e com seu nome inércia prende-se com o peso de mil mãos ao chão que insiste em continuar ali.
no coração nunca está, pelo menos acho que não.
nele que fica essa resiliência. essa vontade menor que um gato. de insistir. de lavar bem os olhos. de passar creme nos pés. de saciar a fome.

terça-feira, 3 de julho de 2018

sal

eu gosto de você como gosto de manga.
me atrapalho nos fios,
me afundo no amarelo.

eu gosto de você como quando corto minha pele
sem querer, com uma faca muito afiada,
a realidade inextinguível de um sangue que brota
para além do meu controle.

eu gosto de você como quem lê um poeta de outro pais
e descobre na propria lingua
o insuspeito conhecimento do que é ser o outro.

eu gosto de gostar de você,
como um gosto que inunda minha pele,
minha boca, meus olhos,
placidamente.

é o que se revela no canto do olho,
o cheiro que se suspeita na beira da fruta,
é aquilo que não se agarra,
e se o olhar furtivamente tenta mirar,
vira estátua de sal
e saudade.